Por Rudá Braga
Na entrada existia um salão, com cheiro de pipoca que pairava por todo local. Logo à frente, uma grande vitrine de doces de diversas cores e uma máquina de refrigerante. As crianças corriam soltas pelo grande salão, esperando o final de uma sessão e começo de outra. Era o grande momento! O acesso a sala de exibição se dava por uma porta grande de madeira, zelada por um funcionário que avisava quando uma sessão estava para começar. Era só alegria! Era a magia do cinema!
Essa são memorias da minha infância e imagem que me remete às primeiras vezes que fui levado ao cinema. Ainda criança, minha mãe me levava para assistir a programação infantil da época. E coitada da minha mãe! Muitas vezes era obrigada a assistir Street Fighter ou o filme do Power Rangers, duas obras horrorosas, mas que ela me levava mesmo assim, feliz por me fazer feliz. Desculpa mãe.
Nos anos 90, a ida até o cinema era um acontecimento. O que significava que ir assistir um filme, naquela época, era ir ao cinema de fato. A gente ficava sabendo o que estava passando pelo jornal ou pela televisão e, no momento que decidíamos o que ver, começava um ritual rumo ao grande momento. O cinema tinha o melhor da gente, nossa melhor roupa, a melhor hora do nosso dia, nosso entusiasmo. O filme, era uma forma de ampliar nossos horizontes, conhecer novas culturas, desbravar o mundo.
Nos dias atuais, o cinema ainda tem um papel importante na formação de opinião e em estimular discussões, mas a relação com o público mudou. Hoje, com as salas de exibição invadidas pelos shoppings, e com pouquíssimas opções fora dos grandes centros de compras privados, fica difícil manter o encanto. O movimento do público mudou, agora ninguém vai ao cinema, mas ao shopping e se der assiste um filme.
Não me entendam mal, a indústria cinematográfica vai muito bem. Temos cada vez mais pessoas indo para os cinemas e blockbusterssendo produzidos em escala fordiana. Mas, será que a experiência tem a mesma magia? Não sei. Minha intenção não é crucificar os grandes estúdios, mas levantar a reflexão sobre a percepção das novas gerações sobre a experiência cinematográfica. Será que está sendo válida?
Me chama atenção algumas situações relativamente recentes, que dizem muito sobre a relação atual do público com a imersão cinematográfica. A primeira diz respeito a polêmica que um crítico de cinema causou nas redes sociais, ao recomendar aos seus seguidores que assistissem "O Irlandês", obra de Martin Scorsese - em parceria com a Netflix, sem irem ao banheiro, pois atrapalharia a experiência com o longa que tem mais de três horas de duração. Parte do público ironizou o conselho, dizendo ser um absurdo. Essa reação, deixou claro para mim que a relação do público com as obras da sétima arte mudou. Afinal, porque eu preciso me preparar antes de ver um filme? Por que preciso dedicar minha atenção de forma exclusiva?
A outra polêmica veio do próprio Scorsese, que afirmou que os blockbusters de super-heróis da Marvel não são cinema, mas um parque temático. E de certa forma eu concordo com ele. Mas antes dos fãs da Marvel ou DC me tacarem pedra, eu posso explicar. Esses filmes, apesar de uma qualidade, são engessados. Eles são produzidos para agradar todos e fazer uma diversão superficial, passageira. Isso também é cinema, mas também não deixa de ser um pouco de parque temático. Digo isso, porque a experiência, na maioria dos casos, se acaba na sala de exibição. Apenas esperamos pelos próximos filmes, sem termos um momento de reflexão e tampouco debate.
No entanto, um blockbuster também pode ser considerado cinema. Não podemos esquecer de filmes importantes por seus avanços tecnológicos e grandes estratégias comerciais como Star Wars, O Exterminador do Futuro, Avatar, Senhor dos Anéis e Titanic. Entre esses exemplos podemos, sem sombra de dúvida, discorrer sobre seus valores artísticos, que ao meu ver existe em algumas obras. Além desses, os filmes da Marvel também gozam de importância na história do cinema, já que são responsáveis por trazerem uma nova forma de fazer e pensar a indústria, além de apresentar, em alguns casos, excelentes filmes.
Na minha humilde opinião, o grande problema das superproduções é o esvaziamento das ideias e pobreza narrativa. Para mim, está claro que as pessoas não querem mais se comprometer assistindo um filme inteiro. Pelo menos, não um filme que faça pensar ou que estimule a reflexão. Hoje, o público deseja algo para ver no automático, que faça prestar atenção em algumas cenas sem profundidade e que faça rir. Os espectadores desejam dar uma "ficada" com o cinema, ao invés de ter um relacionamento sério que dá muito trabalho. Entendendo isso, me parece que a indústria vem entregando o que o público quer. A produção de franquias intermináveis e blockbustersvazios seguem firmes e fortes todo ano, arrecadando milhões. Não é para menos que as maiores bilheterias da história do cinema são superproduções alguns, inclusive, continuações de obras originais.
O cinema mudou e o seu público também. Gradativamente, vamos ficando cada vez mais distante da magia do cinema e as memórias são apenas memórias.
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A grande questão, penso eu, é se a ascensão desses blockbusters também rouba espaço de produções independentes, como na polêmica quando os Vingadores tomou quase todas as salas. Certamente, no entanto, mais pessoas vão ao cinema hoje do que no passado. É mais plural também.
Então, se de um lado esses blockbusters tomam mais espaço, do outro temos mais salas, mais cinemas, um maior público do que outrora. E produzir um filme independente também é menos custoso, já que câmeras e outros recursos são mais acessíveis.
Mas ainda não me é claro se o resultado final colabora com as produções de arte, ou atrapalha...